Aqui está a minha vida...

... esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.

Cecília Meiréles

sábado, 21 de novembro de 2009

Da mais alta janela da minha casa

[fotografia tirada da janela do meu quarto]

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

Fernando Pessoa


[Hoje olhei, pela última vez, pela janela do meu quarto. Despedi-me da Primavera, da Assunção, da Jane e do Joe, da Luna e da Nina, lindos elefantes que me fizeram companhia ao longo deste último ano e meio. Aprendi tanto com eles... aprendi que seres enormes, com uma força bruta conseguem ser tão ternos quando ensinam as suas crias. Aprendi que quando um deles está frágil todos se juntam e ali ficam, como se em prece pelo seu ente querido que sofre. Aprendi que há horas para brincar, horas para aprender, horas para Ser.

Despedi-me, ainda, de todos os outros animais que conseguia ver da janela do meu quarto: dos leões, das girafas, dos lemúres, dos flamingos e dos hipopótamos. E, despedi-me também de todos os outros (aqueles que não conseguia ver da janela do meu quarto, mas que sei que estão lá, porque eram eles que me davam os bons dias, as boas noites, que me animavam com os seus cânticos...

Um dia destes, quando as fotografias já não forem suficientes para acalmarem a minha saudade, irei visitar esta grande família que, durante este tempo todo, fez parte da minha família (e estará sempre dentro do meu coração).]

5 comentários:

Ritinha disse...

Pareces tristinha... não fiques :) tu podes sempre ir visitar os teus novos velhos amigos.

xoxo

Thê disse...

As mudanças são assim mesmo. Deixam-se para trás muitas lembranças... mas, o que interessa é que a vida continua. Felicidades na sua nova casa, querida amiga.

Fê blue bird disse...

Fique só com as boas recordações e comece esta sua nova etapa de alma "lavada" para a frente é o caminho, sempre!
Felicidades e mil beijos.

Amélia disse...

Estes últimos meses têm sido uma aventura, não é verdade? Que bom que já está tudo, pelo menos nessa casa. Aposto que já foste à tua janela gritar: aqui vou ser feliz!!!!

Um beijo!

Miguel Ângelo disse...

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como reflectidas no espelho do ar.Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

[de Cecília Meiréles que eu roubei para ti]

bj

 
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